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O impacto dos reflexos no neurodesenvolvimento

Numa fase inicial da vida do bebé – intrauterina e extrauterina – todos os movimentos são feitos através de reacções a estímulos internos e externos. Estas reacções podem ser automáticas e estereotipadas. E garantem a sobrevivência do bebé. Acontecem numa etapa do desenvolvimento em que o sistema nervoso central (SNC) é imaturo.

Quando as reacções automáticas ocorrem no período intrauterino chamamos reflexos intrauterinos, quando ocorrem no período extrauterino consideram-se reflexos primitivos. Relativamente aos reflexos orais podemos dividir em reflexos adaptativos e reflexos prospectivos.

 

O que são reflexos intrauterinos e reflexos primitivos?

Os reflexos intrauterinos começam a emergir às cinco semanas no útero, durante a fase embrionária. Quase todos os reflexos intrauterinos têm como função ajudar no momento do nascimento, e por norma integram-se após o nascimento dando lugar aos reflexos primitivos.

Os reflexos primitivos formam a base dos movimentos da criança e começam a emergir logo após o nascimento. É suposto que estes permaneçam activos e presentes apenas durante os primeiros meses após o nascimento. E que diminuam gradualmente a sua influência à medida que o SNC vá maturando. Por outro lado, é necessátio também que a criança vá adquirindo o controlo da postura e do movimento.

Eles ensinam os padrões necessários para que possamos mover-nos facilmente de modo coordenado e controlado. Assim, os reflexos primitivos vão ser integrados e vão dar origem a reflexos de transição ou reacções posturais.

O que são reflexos de transição e reacções posturais?

As reações posturais são também chamadas de reflexos de longa duração. Estes reflexos desenvolvem-se maioritariamente em função da integração dos reflexos primitivos. Vão permitir à criança adquirir a capacidade de manter o equilíbrio e de permanecer na posição vertical. Estas reacções ou reflexos são, principalmente, subdivididos em 3 grupos:

  • Reflexos de controlo cefálico: referentes à aquisição do controlo da cabeça;
  • Reacções de equilíbrio: proporcionam uma resposta protectiva automática sempre que perdemos o equilíbrio;
  • Reflexos protetivos que são activados perante uma situação de stress ou perigo.

Há alguns reflexos que não estão presentes no nascimento, nem fazem parte das reações posturais. Em vez disso, eles são reflexos de transição que ajudam a criança a passar de uma etapa de desenvolvimento para outra. Os reflexos de transição emergem e desenvolvem-se à medida que a criança vai dominando o controlo do movimento, dando posteriormente origem às reações posturais.

Qual a diferença entre os reflexos adaptativos e os reflexos protetivos?

Esta nomenclatura refere-se, mais especificamente, aos reflexos orais. Os reflexos de mordida, vómito e tosse são considerados reflexos protetivos. Estes são responsáveis pela protecção das vias aéreas, enquanto que os reflexos de procura, sucção e deglutição são considerados reflexos adaptativos. Consequentemente são fundamentais na aquisição e desenvolvimento da alimentação.

Quais os principais reflexos?

Tal como acima descrito existem diversos tipos de reflexos. No entanto, os que habitualmente são encontrados nas descrições clínicas de lesões e patologias, assim como nas avaliações médicas são os seguintes:

Reflexo de mordida

Este é um reflexo protetivo que está presente aquando o nascimento. E que, começa a diminuir do 3º ao 5º mês, desaparecendo entre o 7º e o 9º mês de vida. O seu desaparecimento dá-se quando é iniciada a mastigação. O reflexo de mordida consiste em movimentos rítmicos de mandíbula no plano vertical, quando é estimulada a região das gengivas na região lateral ou anterior. A sua presença em idades posteriores é um importante sinal de alerta para o diagnóstico de alterações neurológicas.

Reflexo de vómito

Denominado de reflexo de vómito ou de náusea, é considerado um reflexo protetivo que surge na fase intra-uterina e permanece durante toda a vida do indivíduo. Nos primeiros meses de vida este reflexo é desencadeado pelo toque no terço médio da língua, sendo que o bebé responde com movimentos de:

  • abertura de boca;
  • extensão da cabeça;
  • Elevação da laringe e do diafragma.

Após o 6º mês, quando a mastigação já está presente, este reflexo é posteriorizado (terço posterior da língua). A persistência deste reflexo anteriorizado, interfere no desenvolvimento de funções orais como a sucção e a mastigação.

Reflexo de tosse

Também considerado um reflexo protetivo, surge no período intrauterino e permanece ao longo da vida. Este é desencadeado pela presença de substâncias estranhas nas vias aéreas ou pela existência de secreções em excesso. A sua função é garantir a limpeza das vias aéreas e a segurança na alimentação por via oral. A ausência ou diminuição da efectividade deste reflexo põe em causa a segurança da alimentação por via oral.

Reflexo de procura

Também chamado de busca ou dos quatro pontos cardeais, é um reflexo adaptativo que surge ainda no meio intrauterino e persiste até o 3º mês de vida. Neste reflexo observa-se movimento da cabeça e dos lábios em direção ao estímulo podendo ser acionado pela estimulação na região dos lábios, comissuras labiais e ou nas bochechas. Este reflexo é um precursor da sucção e auxilia na orientação e pega correta do mamilo.

Reflexo de sucção

Este é considerado um reflexo adaptativo que surge na vida intra-uterina e que se torna num acto voluntário do 3º ao 4º mês de vida. Os recém-nascidos iniciam a sucção com um padrão de movimentos imaturo caracterizado pela criação de uma pressão positiva no interior da cavidade oral – suckling. Entre 4º e o 6º mês o reflexo é integrado e, dá-se um refinamento do padrão de movimentos que criam a pressão negativa, passando a denominar-se de sucking. A sucção estimula o desenvolvimento motor oral e desempenha um papel fundamental na alimentação/nutrição, essencial à sobrevivência do recém do nascido. Para além da função nutricional, ele proporciona também o desenvolvimento da relação mãe-bebé na amamentação. A ausência ou alterações neste reflexo acarretam limitações na nutrição do bebé, sendo necessário adaptar a alimentação. Para além disso, interfere igualmente no seu desenvolvimento motor oral e emocional.

Reflexo de deglutição

Considerado um reflexo adaptativo é observado na vida intra-uterina e, permanece durante toda a vida. Este reflexo é desencadeado pelo contacto do alimento em determinadas regiões da orofaringe (arco palatoglosso, tonsila palatina, úvula e base de língua) e assegura a ingestão do alimento em segurança. É imprescindível para a alimentação/nutrição do indivíduo em todas as faixas etárias. A ausência ou até mesmo o atraso no desencadear do reflexo da deglutição são causas de disfagia orofaríngea.

Reflexo tónico labiríntico (RTL)

É um reflexo primitivo que tem a componente de flexão. Quando se realiza flexão da cabeça o bebé dobra os braços e as pernas em direcção ao centro do corpo. A componente de extensão. Que é quando se realiza extensão da cabeça, o bebé automaticamente realiza extensão dos braços e das pernas. Este deve encontrar-se integrado entre os 2 e os 9 meses. Se não for bem integrado será difícil conseguir o controlo do corpo para as actividades anteriormente mencionadas. Uma vez que qualquer movimento da cabeça irá mover o restante corpo no mesmo sentido.

Reflexo tónico cervical assimétrico (RTCA)

É um reflexo primitivo que se deve encontrar integrado por voltados 9 meses. Podemos observar este reflexo quando o bebé roda a cabeça para um dos lados e, ao mesmo tempo os braços e as pernas do lado para onde a criança vira. Subsequentemente a cabeça estica e os membros do lado oposto flectem. Quando este reflexo se encontra activo é provável que o bebé não venha a rastejar ou gatinhar. Podendo, igualmente, prejudicar a capacidade de cruzar a linha média, a visão binocular, a definição de lateralidade e consequentemente a escrita manual e a leitura.

Reflexo tónico cervical simétrico (RTCS)

É um reflexo de transição que deve encontrar-se integrado entre os 9 e os 11 meses. Este reflexo é ativado em duas posições através do movimento da cabeça do bebé. Quando o bebé inclina a cabeça para a frente os braços dobram e as pernas esticam. Quando o bebé inclina a cabeça para trás os braços esticam e as pernas dobram. Se este reflexo se mantiver activo para além do tempo esperado, o bebé irá ter dificuldades em gatinhar e por norma desloca-se arrastando as nádegas pelo chão. Posteriormente, a criança pode igualmente apresentar dificuldades de aprendizagem, de leitura e escrita.

Reflexo espinal Galant

Trata-se de um reflexo primitivo que é integrado entre os 3 e os 9 meses. Este reflexo é visível quando passamos um dedo de baixo para cima ao lado da coluna, e o bebé reage inclinando o tronco e aproximando o ombro da anca do mesmo lado. Quando este reflexo permanece ativo é comum levar a uma fixação e rigidez da coluna lombar. Podendo levar frequentemente a dores nesta região. Ao manter-se activo só de um lado pode levar à formação de escoliose. Este reflexo também esta relacionado com o controlo de esfíncteres, podendo ser normal encontrar este reflexo activo em casos com pouco controlo de bexiga.

Reflexo de Moro

É um reflexo primitivo que deve estar integrado entre os 2 e os 4 meses. O recém-nascido não tem a capacidade de cuidar de si próprio, então o moro dá-lhe o mecanismo que permite chamar o cuidador quando há uma alteração sensorial inesperada. O moro também é importante para a respiração, uma vez que a primeira respiração após o nascimento resulta de uma ativação do moro. Uma das respostas do moro é a abertura dos membros e extensão da cabeça, ou flexão dos membros e flexão da cabeça.

Quando o moro permanece activo, a capacidade de filtrar e compreender o estímulo sensorial esta comprometida e o sistema de sobrevivência é activado facilmente. O que vai limitar a capacidade de distinguir o que é seguro do que não é, fazendo com que a criança ande em constante estado de alerta. Quando este reflexo não é integrado, é normal estarmos perante uma criança ou adulto tenso, ansioso que não gosta de alteração das rotinas.

Reflexo de preensão palmar

Trata-se de um reflexo primitivo que deve ser integrado por voltados 3 meses. Este reflexo é visível quando se coloca um dedo na palma da mão do bebé e ele aperta-o de imediato e com força. Com quatro ou cinco meses, já é capaz de agarrar e largar com intencionalidade. Quando este reflexo permanece ativo para além do tempo esperado, é normal que a criança tenha dificuldade em explorar o meio ambiente, visto que, as primeiras explorações são feitas através da boca e das mãos.

Reflexo plantar infantil e Babinski

Tratam-se de reflexos primitivos que são integrados pelos 9 meses (plantar infantil) ou 24 meses (Babinski). O reflexo plantar infantil é visível quando se pressiona a planta do pé e os dedos fazem garra. Por outro lado, o Babinski dá-se ao deslizarmos o dedo ao longo do bordo externo do pé, o que faz com que os dedos se afastem. Estes dois reflexos ensinam os movimentos de flexão e extensão dos dedos. Acima de tudo, importantes para desenvolver a capacidade de rastejar, estar de pé, andar, correr e saltar de forma coordenada. Da mesma forma que são importantíssimos para o desenvolvimento da lateralidade.

Reflexo de marcha automática

É um reflexo primitivo que é integrado por volta dos 3 meses e reaparece mais tarde, entre os 8 e 12 meses. Representa a aptidão do bebé para a marcha. O reflexo é desencadeado quando suportamos o bebé pelas axilas e inclinamos o tronco para a frente, ao mesmo tempo que realiza apoio dos pés. Consequentemente observa-se movimento alternado das pernas como se tentasse andar.

O que pode prejudicar a integração dos reflexos?

Existem vários factores que podem atrasar a integração de um reflexo ou impedir que um reflexo ou reacção surjam. Estes factores podem dar-se nas diferentes fases de desenvolvimento do feto/bebé e, podem representar, nomeadamente, lesões neurológicas, doenças genéticas, traumatismos cranioencefálicos, entre outros. Podem também impedir o neurodesenvolvimento típico e consequentemente a integração dos reflexos. Na vida adulta após a ocorrência de uma lesão neurológica ou traumatismo cranioencefálico é comum o reaparecimento de alguns destes reflexos anteriormente integrados. Resultado da lesão no SNC.

Como intervir quando os reflexos permanecem activos e se tornam patológicos?

Quando os reflexos permanecem activos para além do tempo suposto, consideram-se patológicos e condicionando assim o neurodesenvolvimento típico da criança. Nos casos de ausência, persistência ou reaparecimento dos reflexos, estamos perante um forte indicador de imaturidade ou de lesão do SNC. Para ajudar no processo de integração dos reflexos podemos recorrer a terapias como a fisioterapia, a terapia ocupacional e a terapia da fala.

No entanto, existem actualmente algumas abordagens inovadoras que se têm demonstrado uma mais valia no tratamento destes casos. Entre estas abordagens destacamos o Protocolo PediaSuit™/MétodoTherasuit®, o Método Padovan™ e especificamente, o Rhythmic Moviment Training (RMT).

O RMT trata-se de um método que consiste num programa de movimentos que visam a integração dos reflexos.Resumidamente, podemos referir que o RMT recorre a movimentos específicos que replicam os movimentos efectuados no decorrer do neurodesenvolvimento típico. Vão desta forma, estimular a maturação ou reabilitação do SNC. Deste modo, pretende-se integrar os reflexos e, consequentemente fortalecer ou reeducar as bases da postura, trabalhar a função vestibular, o processamento sensorial, a memória, a aprendizagem, as emoções e o comportamento.